Home >  Bible Topics > Biblical Theology > this page
CRI/Home
Site Contents
Daily Readings
Bible Topics
Worship Topics
Ministry Topics
Lectionary
Church Year
Theology Topics
Non-English
PhotoTour
New Additions

Salmo 51 e a linguagem da transformação:
Uma perspectiva bíblica sobre santidade*

Por Dennis Bratcher

Tradução: Eduardo Vasconcellos

* Artigo apresentado ao Simpósio de Teologia da Universidade Nazarena da Coreia, Chonan, Coreia do Sul
22 de maio de 2001

Metodologia

A tradição da santidade tendeu a tratar a idéia da santidade cristã como uma doutrina a ser defendida e comprovada. Isso levou a uma tendência em desenvolver métodos de examinar a idéia de santidade na Escritura que às vezes não nos ajuda a entender o que a Escritura realmente diz. Quer realmente admitamos ou não, às vezes nossas doutrinas não dizem a mesma coisa que as Escrituras.

Por exemplo, um método para explicar a idéia de santidade tem sido o estudo das palavras, encontrando todas as passagens bíblicas que usam a palavra santo ou santificação. Muitas vezes isso é feito sem levar em conta as sutilezas e nuances de significado dessas palavras em hebraico ou grego, e muitas vezes em desconsideração do significado contextual das Escrituras. Todas as passagens que contêm essas palavras são simplesmente adicionadas para construir uma perspectiva bíblica sobre a santidade. Ou, como um método relacionado, qualquer passagem que contivesse a palavra “santo” ou “santificar” era assumida como falando sobre esta doutrina cristã desenvolvida, não importando qual fosse o contexto imediato da passagem em si.

Claro, existem problemas com essa abordagem. Nem toda vez que certa palavra é usada nas Escrituras, há uma certa doutrina ou até mesmo um determinado tópico sendo tratado. Os intervalos de significado da maioria das palavras, especialmente palavras mais subjetivas como “santo”, simplesmente não permitirão que tal abordagem determine o significado.

Isso simplesmente sugere que, por mais úteis que sejam os estudos de palavras, eles são inadequados para a construção de doutrinas, ou mesmo para expressar a teologia bíblica. Uma maneira melhor de entender o que as Escrituras comunicam sobre um tópico em particular é prestar mais atenção à teologia expressa em uma passagem maior da Escritura do que em palavras isoladas. Examinando cuidadosamente uma passagem bíblica específica em seu próprio contexto para interpretar o que ela diz em seus próprios termos, provavelmente, nos dará um melhor alicerce sobre o qual construir idéias teológicas.

A abordagem deste breve estudo será de análise retórica e teológica. Vamos examinar uma passagem da Escritura em termos de averiguar a história interna do texto, bem como a forma como a história se desenrola tendo como pano de fundo maior o cânon das Escrituras. O objetivo não será uma exegese exaustiva do texto. Será uma tentativa de compreender as afirmações teológicas sobre Deus que emergem no texto e a resposta que o texto pretende evocar como Escritura para uma comunidade de culto.

Tradição e Comunidade

Quando falamos de perspectivas bíblicas sobre a santidade, geralmente acabamos falando de uma “doutrina” de santidade. Por definição, uma doutrina é uma declaração de crença acordada em uma comunidade. É composta das idéias comuns sobre um aspecto da Fé dentro de uma certa comunidade ou grupo dentro dessa Fé.

Assim, por exemplo, a Igreja do Nazareno como parte da igreja maior tem uma Doutrina da Santidade. No entanto, a Igreja do Nazareno não originou essa doutrina. Isso remonta a John Wesley, que explicou e moldou essa doutrina de maneiras específicas, e que fundamentou a doutrina nas Escrituras, na Tradição, na Razão e a verificou pela Experiência dentro da Igreja. Essa dimensão de fundamentar a doutrina nas Escrituras e na Tradição sugere que a doutrina da santidade tem raízes muito mais profundas do que até mesmo John Wesley. Ele pode ter dado certa expressão à doutrina em um determinado momento e lugar na história. Mas ele não inventou isso. Wesley viu isso como algo que existiu por muito tempo na igreja e entre o povo de Deus. De fato, a idéia de santidade como uma prática do povo de Deus tem uma longa história na igreja, e pode até ser rastreada profundamente no Antigo Testamento.

Aqui está um ponto crucial neste estudo. Se a doutrina da santidade tem alguma validade para ela, se é que é verdade, tem que ir além da Igreja do Nazareno. Tem que ir além da herança do Movimento de Santidade do século XIX, ou de John Wesley na Inglaterra do século XVIII, ou das tradições da Igreja Oriental do século XVII que ajudaram a moldar o pensamento de Wesley. Se a doutrina da santidade deve ser algo mais do que apenas uma crença única e estreita de um pequeno grupo de pessoas, ela deve ter raízes muito além desse grupo. Em outras palavras, deve ser mais que uma doutrina! Deve ser uma verdade sobre como Deus trabalha no mundo.

Se a doutrina da santidade é verdadeira nesse sentido mais amplo, se é mais do que apenas outra doutrina, então o que estamos falando ao discutir a idéia de santidade cristã é nada menos do que como Deus lida com os seres humanos. E se a doutrina da santidade é uma descrição verdadeira de como Deus lida com os seres humanos, então é verdade, não importa qual idioma nós queremos usar para isso, ou o quanto poderíamos querer pensar que é nossa posse única na Fé cristã.

Não importa se a chamamos de doutrina da santidade ou se usamos as palavras santo ou santificação. Se tiver validade como uma maneira de expressar como Deus lida com os seres humanos com raízes nos primeiros dias do povo de Deus, ou então é simplesmente uma expressão de como Deus trabalha com as pessoas. Se a doutrina da santidade é verdadeira, ela sempre foi verdadeira. É por isso que podemos examinar o Antigo Testamento com a doutrina da santidade em mente, não para provar a doutrina da santidade, mas para perguntar como Deus trabalhou com a humanidade lá.

Podemos fazer a pergunta diretamente. Existe uma doutrina de santidade no Antigo Testamento? Se queremos dizer a maneira exata como John Wesley, o Movimento de Santidade Americano ou qualquer denominação em particular expressou essa doutrina, não, não é. Mas se queremos dizer o caminho em que Deus trabalha com os seres humanos que a doutrina da santidade tenta expressar hoje, então é claro que está lá!

Assim, uma perspectiva bíblica sobre a santidade pressupõe que, se uma doutrina de santidade é verdadeira, então será parte do testemunho bíblico de Deus através das Escrituras. Além dos termos teológicos técnicos, a doutrina da santidade diz respeito à transformação interior que ocorre na vida das pessoas, na qual eles são reorientados para Deus, longe do egocentrismo que os leva a cometer atos pecaminosos. É uma transformação genuína que ocorre com todas as pessoas, não importando quais termos ela usem para descrevê-lo. Se isso for verdade, então podemos supor que ocorreu com os israelitas muito antes de podermos falar sobre sermos cristãos. É simplesmente como Deus lida com a humanidade. E se a Escritura é a revelação da natureza de Deus, então descobriremos que a experiência descrita nas Escrituras desde a Escritura é o testemunho de como Deus trabalhou na história com seu povo.

Neste estudo proponho um exercício de teologia bíblica a partir de uma base exegética. Vamos examinar brevemente uma passagem da Escritura do Antigo Testamento, o Salmo 51. Teremos de ter cuidado para não lermos este salmo através de nossas categorias de teologia sistemática. O objetivo aqui é compreender o texto para interpretar como o escritor deste salmo articula o relacionamento com Deus. Se analisarmos o texto nesse nível, poderemos ter uma idéia de como Deus lida com os seres humanos, não importa o que queremos chamar de experiência.

O cabeçalho: cenário teológico

Tal como acontece com muitos dos salmos, o Salmo 51 tem uma legenda, uma introdução que aparentemente fornece informações sobre o contexto do salmo. Em algumas traduções é o primeiro verso e em outros é um título acima desse verso.

Para o mestre de canto. Salmo de Davi, quando o profeta Natã veio ter com ele, depois de haver ele possuído Bate-Seba.

No entanto, ao lermos este Salmo, é interessante que não haja nada nele diretamente relacionado à vida de Davi. O Salmo fala sobre o pecado, o perdão e a devida adoração, mas não relaciona nenhum deles a Davi. Se não fosse pelo cabeçalho, não teríamos nada no salmo para ligá-lo a Davi.

A partir do estudo histórico e da comparação com outros escritos da época, estudiosos bíblicos concluíram que os cabeçalhos não são realmente parte dos salmos. Em vez disso, eles foram adicionados mais tarde para dar instruções de como o salmo deveria ser lido ou usado na adoração. Embora no texto hebraico do Antigo Testamento os cabeçalhos sejam contados como parte do salmo, na maioria das traduções modernas, os cabeçalhos não são numerados com os versos dos Salmos.

Isso sugere que não devemos usar uma abordagem histórica para entender o salmo como se estivéssemos lendo uma biografia de Davi. O Salmo 51 provavelmente tem suas raízes na adoração de Israel. Pelo conteúdo real do salmo, provavelmente era originalmente um salmo confessional geral, oferecido pelos adoradores como uma admissão penitencial do pecado. Isso explicaria o conteúdo inespecífico do Salmo, semelhante à maioria dos outros lamentos e salmos penitenciais no Saltério. O salmo era simplesmente uma oração de confissão a Deus que poderia ser admitida por qualquer pessoa em Israel.

Mas, como está no cânon das Escrituras, este salmo é mais do que apenas uma oração de confissão. Ele fornece uma perspectiva teológica que transcende o foco de Israel no perdão dos pecados pelos sacerdotes. É essa dimensão do salmo como afirmação teológica que nos interessa aqui.

Portanto, não podemos ler este salmo com um recorte histórico simples. Mas também não podemos deixar este Salmo no passado de Israel e tratá-lo como uma relíquia da adoração antiga. O cabeçalho do Salmo transforma o salmo em algo muito mais viável para a vida em curso de Israel como povo de Deus. O cabeçalho não faz do salmo um relato da história de Davi, nem nos diz que Davi escreveu esse salmo. No entanto, fornece o contexto de como a comunidade de fé que usou este salmo na adoração entendeu sua mensagem.

O cabeçalho dá conotação histórica ao salmo. Dá-lhe um cenário em um determinado momento e circunstância, não como história, mas como teologia. Ele diz às pessoas, muito depois do tempo de Davi, como elas deveriam ler e usar este salmo em particular no contexto da adoração contínua de Israel. E por isso, ele é re-significado e passa de um salmo geral de arrependimento para uma confissão da fé de Israel na obra de Deus entre as pessoas e na vida diária sob a direção de Deus.

Então, precisamos ler o salmo como uma afirmação teológica de como Israel passou a entender Deus e o processo de arrependimento, oração e transformação como parte da adoração. O salmo é claramente uma oração, assim como a maioria dos textos do Saltério. No entanto, o cabeçalho nos diz que esse não é o tipo de salmo que uma pessoa ora todos os dias. Esta não é uma oração matinal em que uma pessoa rotineiramente diria: “Senhor, perdoe-me por qualquer coisa que eu tenha feito de errado”.

Aqui está a importância do cabeçalho neste salmo. Nos diz em que momento da vida o povo de Deus deve orar este salmo como uma oração confessional. O cabeçalho nos diz que este é o salmo que devemos orar quando formos o rei Davi, o ungido de Deus; quando virmos Bate-Seba desde o telhado; quando a levarmos embora mesmo sabendo que ela  é esposa de outra pessoa; então quando nós tivermos matado seu marido Urias, o hitita, e estivermos finalmente perante o profeta Natã confrontando com a magnitude do nosso pecado (2 Sm 11-12).

Como teologia, este salmo trata desse ponto de crise muito particular na vida de uma pessoa quando ela é confrontada não apenas com o que ela fez, mas com quem ela é, que permitiu que ela fizesse isso. O cabeçalho define esta crise como o único contexto apropriado para a oração, onde esta oração e somente esta oração é apropriada.

Assim, embora este salmo não seja diretamente sobre Davi, será útil que sigamos as instruções da comunidade de fé e ouçamos o Salmo tendo o pano de fundo da vida de Davi. O antigo Israel moldou e definiu o salmo naquele contexto pelo cabeçalho, para que possamos mais facilmente ouvir a afirmação teológica sobre esse pano de fundo. No entanto, como essa história não é simples, não podemos balançar nossas cabeças diante do pecado de Davi e nos alegramos por não termos feito nada de tão horrível. Ao ouvir o Salmo contextualizado a Davi e, no entanto, sabendo que é uma teologia confessional, podemos perceber que o salmo é sobre nós, que é sobre você e eu como povo de Deus. Este salmo ilustra esse tipo de ponto de crise ao qual a maioria de nós chega em um momento ou outro em nossas vidas, aquele tempo em que somos confrontados com quem realmente somos. É neste nível que podemos ler o salmo como teologia bíblica, como instrução para nós hoje.

Salmo 51

O salmo atual começa nos dois primeiros versículos com uma abordagem confessional aberta a Deus.

  1. Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. 2. Lava-me completamente da minha iniqüidade, e purifica-me do meu pecado.

Esta é a primeira resposta ao reconhecimento do pecado. Na vida de Davi, esta é a primeira resposta à acusação profética contundente de “você é o homem” (2 Sm 12: 7). Observe que a confissão é primeiro uma confissão sobre Deus. Nós só podemos chegar diante de Deus a partir desse tipo de circunstância na vida, quando reconhecemos a misericórdia e a graça de Deus, reconhecemos que tudo que vem a seguir depende não de nós mesmos e de nossas habilidades, mas de Deus e sua graça. O salmista vem diante de Deus com um senso de compromisso com Ele e um profundo senso de contrição. A oração usa toda a linguagem ritual típica comum ao sacrifício sacerdotal: apagar, lavar, limpar. É um apelo de um contexto legal em que a lei foi violada e o pecador busca perdão.

No entanto, também precisamos entender que esse pedido de misericórdia se encontra em um pano de fundo do Antigo Testamento, no qual não havia expiação disponível para esse pecado. O pecado que foi feito intencionalmente não fazia parte do sistema sacrificial, apenas o pecado que foi feito sem intenção (Lv 4). Romper o pacto com Deus como Davi fez, o colocou legalmente fora do pacto e fora dos rituais normais de expiação. Assim, mesmo, com a linguagem da adoração e ritual do templo, o salmista entendeu que não é o sacerdote nem são os rituais que podem perdoar aqui, mas somente Deus.

Para começar, essa confissão significa que o salmista compreende que ele é um pecador diante de Deus. Não há falsa piedade, nem desculpas feitas para o pecado. Ele entende que a única maneira de sair desse pecado é por um ato do Deus gracioso e perdoador. “Tenha piedade de mim” é o grito inicial que tira qualquer pretensão de justiça própria ou mérito pessoal. Este argumento reconhece que isso é uma questão de graça. Tudo isto está nas mãos de Deus, não nas nossas.

Nos próximos três versos, o salmista entra em petição ainda mais direta.

  1. Porque conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim.

Mais uma vez, o salmista está disposto a reconhecer seu pecado. Muitos desses Salmos foram orados no templo antes da comunidade, então isso pode até ser uma confissão pública. Não estou sugerindo que sempre tenhamos que confessar todos os nossos pecados diante de todos. No entanto, fazer as coisas que Davi fez, não é um assunto privado. Quando abusamos de nossa posição de responsabilidade diante de Deus, cometemos adultério com Bate-Seba, assassinamos Urias, o hitita, e somos confrontados com o profeta Natã, não podemos simplesmente oferecer uma oração privada de arrependimento na esperança de que ninguém descubra. Esse tipo de pecado público diante de Deus e da comunidade requer disposição para se apresentar diante de Deus e da comunidade e assumir a responsabilidade pelo que fizemos.

A transformação deve sempre começar com uma confissão honesta de quem somos diante de Deus. De fato, há algum sentido aqui que este pecado está definindo quem é o salmista. Está lá na frente dele para que quando as pessoas olhem para ele, eles vejam o pecado.

O versículo 4 se move para um nível mais profundo dessa confissão.

  1. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares.

O pecado de Davi foi um pecado social. Foi contra Bate-Seba e contra Urias, o hitita. Foi contra todo o reino sobre o qual David governou, contra a comunidade que David era responsável. Isto não é um pecado privado. É muito público. E ainda assim, quando o salmista vem diante de Deus, ele diz que somente contra Deus ele pecou.

Às vezes pensamos que nossos pecados são mais como erros sociais, violações de responsabilidade social pela qual devemos nos desculpar uns com os outros. Fazemos coisas que prejudicam outras pessoas e depois pedimos desculpas a elas. Às vezes, estamos mais preocupados com o que as pessoas pensam de nós, mais preocupadas em salvar a face do que com o fato de que pecamos contra Deus. É claro que devemos nos desculpar quando ferimos as pessoas como uma expressão de nosso arrependimento e nosso amor por elas. Entretanto, teologicamente, este Salmo diz que todo pecado é pecado contra Deus.

Esse é realmente o coração do problema. Claro, é Urias que está morto. As conseqüências do pecado funcionaram no contexto da comunidade e criaram uma tremenda ruptura. Mas o salmista sabe que ele tem que lidar com Deus primeiro. Não é suficiente começar com as relações humanas que foram destruídas. Isso tem que sair de como ele permite que Deus forme sua vida. Ele deve começar com essa confissão: “é contra você e somente você que eu pequei”.

O salmista admite que há conseqüências que resultarão do seu pecado: “você está justificado em sua sentença e inocente quando julga”. Ao contrário de algumas de nossas idéias modernas sobre o julgamento de Deus, na maior parte do Antigo Testamento, o “julgamento” de Deus se refere àquelas conseqüências históricas que advêm de nossas ações. A visão do Antigo Testamento, especialmente a partir das tradições proféticas, é que nossas ações pecaminosas criam suas próprias conseqüências que nos destruirão a menos que Deus intervenha. Quando lemos sobre o resto da vida de Davi, fica fácil seguir essas conseqüências quando elas destroem a família de Davi. No entanto, existe a vontade aqui para vir diante de Deus, mesmo sabendo que as conseqüências virão, ainda tentando fazer algo para resolver este problema do pecado.

Se não formos cuidadosos, entenderemos mal o versículo cinco.

  1. Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.

Este verso tem sido tradicionalmente interpretado como ensinando uma doutrina específica do pecado original, o que é conhecido na teologia sistemática como a teoria genética da transmissão do pecado original. Começou com aqueles que usaram os pressupostos da filosofia neoplatônica grega que leram este verso a partir da perspectiva do dualismo filosófico. Nesta visão, toda a matéria física é inerentemente má e, portanto, o pecado está localizado no corpo físico. Começando com essa perspectiva, este verso parece confirmar que os seres humanos são pecadores simplesmente porque nascem fisicamente, que todos os seres humanos são culpados de pecado simplesmente porque existem como criaturas físicas. A partir dessa premissa, foi fácil para alguns concluir que, enquanto os seres humanos existirem em um mundo físico, eles sempre serão pecadores em todos os pensamentos e ações.

Mas isso não é uma doutrina do pecado original. Pode haver outros lugares nas Escrituras em que “pecado original” está a vista, mas não aqui. Não se trata de bebês recém-nascidos serem culpados de pecado. Adotar essa visão é destruir a responsabilidade humana que está no coração deste Salmo!

O verso cinco é simplesmente uma maneira de dizer que neste momento, como o salmista está diante de Deus em confissão, talvez pela primeira vez em sua vida, ele esteja disposto a dizer: “Eu realmente sou muito ruim”. Neste momento de honestidade, o salmista chegou diante de Deus e finalmente admitiu: “Eu nunca fui muito melhor do que quem sou neste momento”.

Nós, seres humanos, não gostamos desse tipo de honestidade sobre nós mesmos. Somos muito bons em nos enganar. Nós faremos quase tudo o que temos que fazer para evitar confrontar quem realmente somos. Nós gostamos de pensar que somos justos. Colocarmos essa confissão no pano de fundo da vida de Davi, talvez nos dê uma perspectiva para ver como essa confissão é realmente crucial para nós.

David era um menino muito jovem cuidando de ovelhas para seu pai. O texto bíblico em 1 Samuel nos diz que Deus escolheu este jovem pastor como rei de Israel porque ele era “um homem segundo o seu coração” (1 Sm 13:14). E podemos seguir sua história como Deus protegeu e ajudou-o ao longo de toda a sua vida. Ele matou Golias, o gigante, porque Deus estava com ele. Ele reuniu um bando de homens e se tornou um herói que liderou ataques contra os filisteus. Os livros de Samuel registram vitória após vitória que Deus ajudou Davi e seus homens a alcançar. Ele se tornou rei de Israel, o ungido de Deus. Davi era o homem de Deus para aquele momento, e por causa de sua fidelidade, Deus prometeu que seus descendentes sempre governariam Israel (2 Sm 7).

Agora, se você fosse David, você seria capaz de dizer que você é pecador desde o nascimento? Toda a evidência externa diz diferente. Seria muito fácil para Davi negar o que ele realmente é, apelando para sua grandeza e retidão do passado. Nós como seres humanos somos muito bons em olhar para nós mesmos e ver nossos sucessos, vendo nossa justiça, vendo quão bons somos. E assim dizemos: “Eu não sou tão ruim assim”. É fácil fazer a oração do fariseu quando ele estava nos degraus do templo: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens!” (Lc 18:11)

David poderia ter feito isso com muita facilidade. Exceto que agora ele está em um ponto na vida quando a evidência de seu pecado é óbvia demais para ser ignorada. Ele tomou Bate-seba. Ele matou Urias, o hitita. E agora o profeta Natã veio e o confrontou. Ele não pode mais se esconder da verdade. Ele deve enfrentar quem ele é. Podemos especular que, se ele tivesse feito isso mais cedo, talvez Urias poderia ter sobrevivido!

Essa é a tragédia da história de Davi. Ao lermos o livro de Samuel sobre a vida de Davi, não estamos preparados para o que acontece com Bate-Seba. Tudo o que lemos sobre David até aquele momento diz que isso são verdadeiramente feitos de uma pessoa justa, que ele verdadeiramente é um homem segundo o coração de Deus. Ele é o homem de Deus do momento, porque o próprio Deus o escolheu para ser rei.

E, no entanto, naquele momento crucial, depois que Deus lhe permitiu tornar-se rei de Israel e lhe entregou seus inimigos, ele cometeu o pior e mais brutal tipo de pecado. Ele tomou seu poder como rei, o poder que foi dado a ele por Deus para pastorear seu povo, e usou o dom de Deus para abusar dos outros. Nós não esperamos ver isso na história de Davi. É um choque para nós aprender que o homem de Deus é capaz de pensar em tais coisas, quanto mais fazê-las.

Aqui é onde precisamos começar a ouvir o poder deste salmo como teologia. Porque, afinal de contas, esse salmo não é apenas sobre Davi. É sobre nós. A tragédia aqui é nossa tragédia. Este salmo é um desafio a essa tendência que temos de ignorar ou recusar-nos a ver quem realmente somos. É uma advertência contra nos vermos tão justos diante de Deus e tão bons que não estamos dispostos a admitir o imenso potencial que temos para pecar. Naturalmente, nossa reação imediata é: “Eu não. Eu nunca faria isso”. Mas esse é o ponto aqui. Nós somos como David!

Esta é uma posição perigosa para se estar porque superestima quem somos como seres humanos e subestima a magnitude da ruptura, dor e pecado que podemos trazer ao mundo. Isso não deveria ter acontecido com David. Ele era bom demais. E ainda um dia, como ele estava simplesmente para uma caminhada ao sol, quem realmente é David vem à tona. E mais cedo ou mais tarde, quem realmente somos virá à superfície também.

O versículo cinco nos diz que talvez pela primeira vez o salmista chegue ao ponto de ser capaz de ver a si mesmo e admitir que talvez ele nunca tenha realmente sido tão bom quanto pensava. E então, finalmente, ele é levado cara a cara consigo mesmo. E o que ele vê é feio. Naquela época em que somos confrontados com quem realmente somos, finalmente somos capazes de ver o que somos além de toda a nossa pretensão de justiça. Debaixo de todo o verniz externo da bondade, no fundo do coração onde nossa vontade, intenções e motivos se escondem, nós realmente somos tão ruins assim.

Você percebe que chegar a esse ponto é a única maneira que qualquer novidade pode realmente começar? Enquanto tivermos a atitude de que estamos bem, não há espaço para Deus operar a transformação em nossas vidas. É somente quando chegamos a esse tipo de honestidade diante de Deus, quando admitimos a Deus e a nós mesmos quem realmente somos, que Deus pode começar a trabalhar a novidade em nossa vida. O primeiro passo em direção à luz é reconhecer a escuridão.

O salmista continua nos versos seis a nove e começa a revelar o que precisa acontecer.

  1. Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria. 7. Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve. 8. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste. 9. Esconde a tua face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniqüidades.

Nesse texto ecoa a passagem de Isaías 1.18: “ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve”. Essa é uma compreensão do perdão de Deus, uma compreensão de que, quando chegamos ao reconhecimento do pecado, há perdão na graça de Deus.

Os símbolos e as metáforas aqui são todas metáforas do ritual sacerdotal. O sacerdote usava hissopo simbolicamente para purificar a pessoa do pecado. Na perspectiva sacerdotal, o pecado era visto como uma contaminação que tornava a pessoa impura diante de Deus, assim como uma roupa podia ser manchada e necessitada de limpeza. O ato de lavar era um ritual que simbolizava Deus removendo a contaminação do pecado. Estar “branca como a neve” era uma metáfora do perdão, da remoção da mancha e da contaminação do pecado.

Dentro do contexto da adoração do Antigo Testamento, este simbolismo e ritual são formas de afirmar que Deus perdoa o pecado. Neste contexto, torna-se uma afirmação sobre a natureza da graça de Deus. É importante para nós percebermos não apenas a magnitude de nosso pecado, mas também a magnitude da graça de Deus e o perdão que ele traz para a vida de uma pessoa. Há a implicação aqui de que nenhum pecado, mesmo o pecado do assassinato, está além da habilidade e do desejo de Deus de perdoar. O salmista aqui está disposto a vir diante de Deus e reconhecer a magnitude de seu pecado, e ainda assim confiar na magnitude da graça de Deus.

No entanto, o Salmo não termina aí. Se isso acontecesse, poderíamos nos contentar em pedir perdão pelos pecados que cometemos, mesmo sendo o povo de Deus, mesmo que tenhamos sido escolhidos para liderar o povo de Deus. Se o salmo terminasse aqui, poderíamos admitir que talvez os seres humanos realmente pecam assim o tempo todo, e precisam fazer esta oração todas as manhãs.

No entanto, o versículo dez nos leva a uma direção totalmente diferente.

  1. Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto.

Precisamos entender a mudança entre o versículo nove e o verso dez. É uma mudança radical. Até este ponto, o salmista tem falado sobre o perdão, com toda a linguagem litúrgica e ritual de lavagem e limpeza. Esta é a linguagem sacerdotal correta do que deveria acontecer quando Deus perdoa.

No entanto, o versículo 10 se afasta da linguagem do templo e dos rituais, e assim se afasta da linguagem do perdão. Observe que existem termos diferentes usados ​​lá. “Cria em mim um coração puro, ó Deus. E renova em mim um espírito reto.” Algo é diferente aqui. Fala-se de novidade, de nova criação. Esta não é a linguagem da limpeza do velho, mas da criação de algo novo. E há também a linguagem da estabilidade aqui, de uma firmeza que vem de dentro. Esta não é apenas a linguagem do perdão, mas de algo mais que perdão.

Parte do problema com o perdão é que ele só pode lidar com os resultados do pecado. Como o argumento de Paulo sobre a lei em Romanos, o problema com qualquer concepção legal ou ritualizada de relacionamento com Deus é que os rituais da lei e da expiação só podem lidar com a violação. Perdão só pode ser aplicado depois que a violação ocorrer. É claro que isso é necessário, especialmente no contexto de pecados como esses. Não devemos minimizar a natureza do pecado e a dimensão da graça de Deus que possibilita o perdão.

No entanto, se não formos cuidadosos, tão importante quanto a ênfase no perdão pode ser em algum momento, é fácil concentrar-se no remédio para os atos pecaminosos sem nunca perguntar o que poderia causar os atos pecaminosos. O perdão pode facilmente tornar-se preso em um ciclo de pecado e perdão, de modo que nos tornamos mais preocupados em responder ao pecado do que em sermos fiéis a Deus em primeiro lugar. Os neoplatônicos supunham que o pecado era parte do ser humano, que estava fundamentado na existência física. Mas não existe tal perspectiva bíblica. Biblicamente, o pecado é uma questão do coração e descrito em termos de infidelidade e desobediência. Isso sugere que uma solução deve envolver o coração.

Quantas vezes Deus perdoará? É uma pergunta fácil de perguntar, especialmente se estamos falando de nós mesmos. Queremos facilmente reivindicar a mais ampla dimensão da graça de Deus e afirmar que sua graça é interminável. Mas quando fazemos essa pergunta sobre nós mesmos, precisamos perceber que estamos realmente fazendo a pergunta errada. Não é uma questão de quantas vezes Deus vai perdoar. Isso é interminável. A questão mais importante é: por que devemos continuar pecando para que Deus tenha que perdoar?

Aqui está o significado da mudança da linguagem do perdão para a linguagem da nova criação entre os versos nove e dez. Os primeiros nove versículos retratam claramente a honestidade de alguém que se viu frente a frente, não apenas com o que eles fizeram, mas também com quem eles são. O salmista admitiu que sua própria existência é definida pelo pecado.

O grito aqui do coração do salmista é um grito de transformação, percebendo que tem que haver um caminho melhor do que apenas o perdão. Deve haver algo mais do que passar pelo ciclo do pecado e do perdão, melhor do que se arriscar novamente a se tornar na prática o que ele sempre esteve em seu coração. Deve haver um caminho melhor, como Paulo reflete de forma tão eloqüente em Romanos 7. Quero sugerir que o versículo dez é o melhor caminho.

A linguagem aqui é a linguagem da criação:

Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto

No Antigo Testamento, a palavra hebraica traduzida por “criar” é usada apenas com Deus como sujeito. Só Deus pode trazer a novidade que a palavra “criar” sugere. Aqui não há idéia de lavar o velho coração e tentar remover a contaminação do pecado. No versículo 10, o salmista abandona a linguagem sacerdotal do perdão e começa a usar a linguagem da transformação. O salmista não está mais simplesmente orando por perdão contínuo, mas por uma mudança radical em quem ele é.

Há reconhecimento aqui que o problema não é realmente o fracasso em pecar, mas um problema do coração que causou o pecado. Em hebraico, o “coração” é uma metáfora da sede do intelecto, o centro da vontade e da tomada de decisões. O “espírito” é também uma metáfora para toda a pessoa em termos de motivos e intenções subjacentes às ações. Orar por um coração renovado e por um novo espírito é uma confissão de que o coração, a vontade da pessoa, é a fonte do problema. É uma admissão de que os motivos ocultos e intenções do salmista são tão pervertidos e instáveis que nada menos do que uma nova criação e firmeza de Deus irá trazer qualquer mudança significativa em quem ele é. E ele já confessou que precisa mudar.

Também é significativo que a oração seja por um espírito “reto”. Essa palavra hebraica significa estabelecer como firme e sólido. É a mesma palavra usada na promessa feita a Davi (2 Sm 7:16) de que Deus “estabeleceria” seus descendentes como reis de Israel. Neste contexto, David tinha as estratagemas externas de força e permanência para o seu reino. Agora, há a percepção de que a aparência externa de estabilidade não é muito sem uma firmeza interna e estabilidade que permitirá a fidelidade em ações.

O salmista não pode fazer isso acontecer sozinho. Os rituais do templo não podem fazer essa mudança. Os sacrifícios e a água podem simbolizar o perdão de Deus. Mas o perdão não é o mesmo que criação. Algo tem que acontecer além do perdão. Algo tem que acontecer dentro do salmista no nível do coração, que lida com quem ele é. Então ele grita: “Crie em mim um novo coração. Transforme-me e torne-me novo. Coloque um novo espírito firme dentro de mim.”

À medida que avançamos para o versículo 11, temos que ter cuidado para que não o interpretemos mal. Novamente, é fácil aqui assumir nossas modernas formulações sistemáticas e doutrinárias, e lê-las neste texto.

  1. Não me lances fora da tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo.

Não se trata de entristecer o Espírito Santo, como se houvesse perigo de que Deus não estivesse disposto a estender a graça, que o pecado é tão horrível e que Deus rejeitará a oração. De fato, isso não é sobre o Espírito Santo no sentido cristão. Essa compreensão de Deus terá que esperar a revelação de Deus em Jesus Cristo, quando um entendimento da Trindade pudesse ser formulado.

Aqui, como em todo o Antigo Testamento, o “espírito” ou “sopro” de Deus é simplesmente uma maneira metafórica de falar sobre a presença ativa e dinâmica de Deus no mundo para efetuar a mudança e o crescimento. É esse “sopro” de Deus que se moveu nas águas primitivas no início da criação (Gn 1). É esse “sopro” de Deus que secou as águas do Grande Dilúvio (Gn 6). É esse “sopro” de Deus que encheu os ossos secos de Ezequiel com nova vida (Ez 37). A oração do salmista aqui é para a presença dinâmica e criativa de Deus trazer a mudança pela qual ele chora. Este é o único caminho para a restauração e a estabilidade futura pela qual o salmista ora no verso 12:

  1. Torna a dar-me a alegria da tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário.

A transformação final do salmista está a vista no versículo 13.

  1. Então ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores a ti se converterão.

Aquele que uma vez foi nada mais do que um pecador, que teve que se enfrentar à luz de onde seu pecado o levou, agora pode imaginar a preocupação com outros pecadores. O salmista está disposto a compartilhar com os outros ensinando o que aprendeu sobre Deus. O novo coração para o qual o salmista ora não é apenas para melhorá-lo. É realmente um presente para o mundo. É desse coração renovado e do espírito reto dado por Deus que sua visão pode mudar de uma preocupação com sua própria injustiça e a necessidade de perdão pessoal para ver a necessidade de outros experimentarem a mesma transformação. Esse coração recém-criado é um coração que bate pelos outros, porque é um coração criado por Deus.

Os versículos dezesseis e dezessete são um resumo da teologia do salmo.

  1. Pois não desejas sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos.

Na linguagem profética típica adotada aqui, a idéia de que Deus requer sacrifício para o perdão dos pecados é rejeitada. Não é toda a adoração que é rejeitada, apenas a adoração como um fim em si mesmo ou como um meio para a justiça. Teologicamente, isso simplesmente repete o que o salmo já disse. Finalmente, o que Deus quer de nós não é sacrifício e arrependimento, mas transformação.

Em nosso contexto cristão, isso pode ser mais difícil de formular, já que adotamos facilmente a linguagem do sacrifício para falar sobre Jesus. Mas nesse contexto cristão, podemos dizer que Deus realmente não quer que reivindiquemos o sacrifício de Jesus pelo perdão dos pecados como o objetivo da vida cristã. Isso pode ter o seu lugar assim como a linguagem sacerdotal do sacrifício teve seu lugar neste salmo. Mas, finalmente, há algo mais no relacionamento com Deus do que simplesmente ser perdoado do pecado.

Se o salmista quer algo mais que perdão, então Deus quer algo mais para ele também. Esta passagem diz que Deus se farta de nossos sacrifícios e do nosso arrependimento tanto quanto nos cansamos de oferecê-los.

Qual é a solução? O verso 17 é uma conclusão poderosa neste salmo sobre a compreensão de Deus e sobre o chamado de Deus para o seu povo.

  1. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.

O que Deus procura em nós é um espírito quebrantado, um coração quebrantado e contrito, uma disposição para abandonar quem somos em nós mesmos pelo que podemos nos tornar em Deus. O que Deus quer é que a pessoa tenha uma sensação de quebrantamento em sua vida, assim como o salmista fez aqui. Não é apenas que percebamos quem somos como pecadores, mas que estamos tão entristecidos com quem somos que vamos gritar diante de Deus. “Faça-me novo! Eu não gosto de quem eu sou e não gosto do que fiz. Deus, o que eu preciso é que você faça algo novo em minha vida que me dê um novo coração, que me preencha com sua presença, eu posso viver de uma maneira diferente e ser uma pessoa diferente”. Essa oração só pode vir no ponto de fragilidade, quando nos deparamos com quem somos e não gostamos do que vemos.

Isto é um quebrantamento que percebe que não podemos ser o centro do nosso mundo, mesmo se formos o Rei de Israel. É um quebrantamento que reconhece que se alguma vez seremos diferentes, se formos nos mover para além do nível de constantemente buscar perdão, teremos que nos entregar a Deus, para permitir que ele nos refaça em seus termos.

Falar de quebrantamento é difícil para nós, porque é assustador arriscar tornar-se algo diferente do que somos. Temos nos tornado confortáveis ​​com nós mesmos, embora saibamos em nossos melhores momentos que somos como o salmista aqui. Nós preferiríamos muito mais ter a alegria da nossa religião. Preferimos ter todas as bênçãos que acompanham o fato de sermos cristãos. Suspeito que, para muitos de nós, preferiríamos ficar presos no ciclo do pecado e do perdão, esperando que aquele que realmente somos nunca fique exposto, do que ficarmos com o coração partido para ter um novo coração. Contudo, se não o fizermos, nunca aprenderemos a amar a Deus com todo o nosso coração, mente, alma e força, nem jamais aprenderemos a amar o próximo como a nós mesmos.

Como cristãos, especialmente como cristãos evangélicos, muitas vezes gostamos de falar sobre Jesus morrendo na cruz por nós, tomando o nosso lugar. Deixe-me sugerir a você que Jesus não morreu na cruz para que você não tivesse que morrer. Ele morreu naquela cruz para lhe mostrar o caminho. Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão, escreveu em O Preço do Discipulado: “Quando Jesus pede a um homem que venha, ele pede que ele venha e morra”. Esse é o poder das passagens do Evangelho que nos chamam para tomar nossa cruz e segui-lo.

Não podemos nos afastar da idéia da cruz. Aquela cruz é o tipo de quebrantamento para o qual somos chamados quando pegamos em nossas mãos os símbolos de seu corpo partido e o cálice de seu sofrimento. Quando celebramos a Eucaristia, não estamos celebrando o fato de que não precisamos morrer. Estamos celebrando o fato de que ele nos mostrou como sermos quebrados. Se não estivermos dispostos a vir diante de Deus com esse tipo de quebrantamento, a disposição de clamar a Deus por um espírito quebrado pela renovação, então não entenderemos o Evangelho. E nós não experimentamos o poder criativo de Deus que ele pode trazer para nossas vidas.

Há um lugar neste salmo para louvor e alegria, e até para adoração e sacrifício. O versículo 15 é sobre louvor.

  1. Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca entoará o teu louvor.

E a conclusão do salmo é sobre o sacrifício aceitável.

  1. Faze o bem a Sião, segundo a tua boa vontade; edifica os muros de Jerusalém. Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos holocaustos e das ofertas queimadas; então se oferecerão novilhos sobre o teu altar.

No entanto, como no domingo de Páscoa após a Sexta-Feira Santa, esse louvor só pode vir depois do quebrantamento e da morte que permitiu a nova criação. Não há novidade na vida cristã que não saia do quebrantamento e do fim. Este é talvez o mais importante insight em nossa própria humanidade deste salmo. Se não estivermos dispostos a chegar a esse ponto de ruptura com o salmista, não haverá novo coração. A única solução para a nossa luta contra o pecado é chegar ao ponto em que estamos dispostos a encarar quem somos honestamente, para chegar a esse ponto de crise em nossa vida em que estamos dispostos a ser recriados por Deus.

Isso não significa que tudo será perfeito. Isso não significa que não haverá mais lutas em nossas vidas. David passaria o resto de sua vida lidando com as conseqüências do seu pecado. Mas significa que podemos ter um novo coração que seja firme e orientado para Deus. Significa que podemos ter a própria presença de Deus nos recriando e nos transformando daquilo que somos ao que podemos ser pela graça. Isso significa que podemos ter o sopro vivo de Deus dentro de nós, nos dando uma nova vida e nos capacitando a fazer o que não podemos fazer sozinhos. Essa é a coisa mais importante que aprendemos sobre Deus neste salmo.

Conclusão

Este salmo não contém os termos tradicionais de santificação e santidade. Alguns defenderam uma “segunda bênção” neste salmo, focalizando o tempo e as circunstâncias da obra de Deus. Mas esse tipo de formulação doutrinária simplesmente não está aqui. No entanto, o que este salmo apresenta é uma perspectiva sobre os seres humanos e Deus que se concentra na transformação de nossa humanidade pecadora por um ato criativo de Deus. No entanto, nós definimos a santidade e a santificação doutrinariamente ou sistematicamente, e penso que a verdade deve estar no seu centro. Nós, como wesleyanos, realmente acreditamos que Deus pode transformar os seres humanos para que eles possam se tornar “filhos de Deus”, para que possam viver uma vida de santidade em perfeito amor a Deus e aos outros. E essa passagem nos ensina que essa transformação vem através do caminho do quebrantamento que lida honestamente com quem realmente somos.

Observe que o salmo não conclui com uma fórmula precisa para o que acontece, quando acontece ou como fazemos acontecer. Eu acho que isso tem sido um dos erros de algumas das tradições de santidade, de tentar reduzir a obra de Deus com as pessoas a uma fórmula. Não há nada disso aqui. Não há caminho mais curto para a santidade. Só existe esse tempo na vida quando nos confrontamos com nós mesmos, aquele tempo em que nosso espírito e nossa vontade são quebrados pela visão de nós mesmos e de quem realmente somos. E nós respondemos clamando a Deus por novidade desde nosso quebrantamento. Esse choro é um grito de profunda fé que está disposto a colocar quem nós somos nas mãos de Deus e deixá-lo nos moldar e, de qualquer maneira, ele quer nos moldar.

Quando chegamos a esse ponto de crise com o salmista, e esta oração por um novo coração surge de um espírito quebrantado, nós nunca seremos os mesmos. Isso é o que um novo coração significa. É uma transformação por parte de Deus da própria essência de quem somos. Ele nos dá um coração recém-criado primeiro para amar a Deus. E então ele vai trabalhar em nossas vidas para trazer novidades em toda a nossa vida e para os outros. Este salmo é um chamado à nova criação que chamamos de santidade.

Original disponível neste link: Psalm 51 and the Language of Transformation: A Biblical Perspective on Holinesss – Dennis Bratcher, Copyright © 2013, Dennis Bratcher, All Rights Reserved.

-Dennis Bratcher, Copyright © 2018, Dennis Bratcher, All Rights Reserved
See Copyright and User Information Notice

Related pages